17.5.04

Porque acredito em Angola

[José Eduardo Agualusa]


"Acredita realmente no futuro de Angola?"

Nas últimas semanas, muita gente me fez esta pergunta. Tenho enfrentado plateias interessadas, mas cépticas, quer em Portugal quer em Espanha, ao longo de debates nos quais se pretende discutir a situação em Angola após a morte de Jonas Savimbi e a assinatura dos acordos de paz. O meu optimismo parece surpreender muita gente. Sim, eu tenho fé em Angola. Acredito sobretudo nos angolanos. Em primeiro lugar, estou absolutamente convencido de que a guerra não ressurgirá. Em segundo lugar, acredito que, apesar de toda a devastação, os angolanos têm capacidade para reerguer o país e, em dez ou quinze anos, recuperar o atraso do último quarto de século.

A rapidez com que o acordo de paz foi assinado, apenas seis semanas após a morte de Jonas Savimbi, evidencia antes de tudo o grande cansaço dos generais que nestes últimos anos se bateram à sombra da bandeira do galo negro. "Agora", declarou o general Paulo Gato durante as negociações, "é tempo de nos perfumarmos e regressarmos a Luanda". Estava tudo dito: só Jonas Savimbi não tinha vontade de se perfumar.

Por outro lado, também alguma coisa mudou, e mudou significativamente, do lado dos generais das Forças Armadas de Angola. Durante muito tempo, alguns destes oficiais fizeram da guerra civil um negócio rentável. Uma das mais prósperas empresas angolanas, responsável pela alimentação das tropas, era propriedade de um grupo de generais. Nos últimos anos, porém, um número crescente de altos dirigentes militares começou a diversificar os seus interesses, investindo o capital entretanto acumulado em outras áreas — agricultura, pecuária e exploração mineira. Todos eles estão hoje muito interessados na pacificação do país.

Aposto, finalmente, na capacidade de resistência, no bom humor, e na criatividade com que as populações angolanas têm enfrentado as situações mais difíceis. Visitei, vai para seis ou sete anos, as terras altas do Huambo e do Bié. Havia por essa altura falta de tudo. Surpreendi-me ao descobrir, no Andulo e no Bailundo, uma fantástica frota de trotinetes artesanais. Uma das mais famosas fábricas de bicicletas de Angola, no Huambo, fora forçada a encerrar. Talvez num outro país do mundo as pessoas se tivessem conformado. Talvez tivessem cruzado os braços. Não ali. As trotinetes, em madeira, com as rodas no mesmo material, forradas com borracha de velhos pneus, substituíram rapidamente as bicicletas. Havia desde pequenas trotinetes individuais até outras, de grandes dimensões, nas quais era possível transportar a família inteira e ainda alguma carga. Aqueles objectos fariam grande sucesso como parte de uma instalação artística em qualquer museu ou galeria do mundo. Comprei a um ferreiro uma fechadura e a respectiva chave, ambas feitas à mão, em poucos minutos, diante do meu olhar incrédulo. Vi um alfaiate concluir um belo vestido, numa máquina a motor, enquanto um dos seus filhos pedalava desesperadamente, numa espécie de bicicleta de uma única roda, para produzir energia eléctrica. Conversei com um rapaz-rádio, que se passeava pela vila carregando aos ombros um enorme transístor alimentado por painéis solares; fizera da carência de pilhas um bom negócio. Detinha-se aqui e ali, de preferência ao sol, vendendo aos passantes um pouco de música e notícias. Tinha grandes planos para o futuro. Disse-me que um dia, depois da guerra, montaria uma fábrica de rádios movidos a corda — como os relógios. Recordo-me com frequência de um episódio que o poeta benguelense Ernesto Lara Filho gostava de contar. Ernesto Lara, um dos personagens mais fascinantes da história literária de Angola, regente agrícola de profissão, estava em serviço, numa fazenda remota, quando, a 20 de Julho de 1969, Neil Armstrong pisou a Lua. Sentado à sombra de uma árvore, rodeado de trabalhadores, acompanhou esse momento através de um pequeno rádio a pilhas. "Este é um pequeno passo para o homem, um gigantesco salto para a humanidade" — declamou o astronauta americano enquanto afundava o pé esquerdo na leve poeira do Mar da Tranquilidade.

"Meu Deus!", exclamou o poeta: "Eles conseguiram!..."

Os trabalhadores, ao seu redor, estavam mudos de assombro. Então um deles, um jovem tratorista, ergueu-se e abraçou Ernesto: "Isso não é nada, mais-velho", disse. E era já o orgulho angolano falando mais alto: "Tenha paciência. Um dia destes vamos nós plantar mangueiras na Lua."

Não duvido. Mangueiras. Rosas de porcelana. Acácias rubras. Vastos palmeirais. Frondosos cajueiros. Bananeiras. Buganvílias e casuarinas. Um dia será.

in: revista Pública - Abr. 2002