26.6.04

Mais de 100 novos emigrantes em Inglaterra por semana

DN, 23-06-2004
JOÃO CEPEDA
CORRESPONDENTE EM LONDRES

Entre 100 a 150 pessoas. É esta a impressionante média de cidadãos portugueses que todas as semanas acorrem ao Consulado português em Londres para se registarem como novos residentes no Reino Unido. A tendência tem vindo a crescer nos últimos anos, até chegar a este ponto extraordinário, que pode também ser um ponto de ruptura para os serviços consulares.

Nos últimos anos, sobretudo depois da entrada na União Europeia ter facultado aos cidadãos portugueses a possibilidade de trabalharem legalmente no Reino Unido, tem sido difícil definir o número exacto de emigrantes que vivem em Inglaterra, na Escócia e na Irlanda do Norte. Uma estimativa não oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros, baseada nos registos consulares e nas informações de várias associações de imigrantes, tem utilizado o número de 200 mil como base fiável.

Ora o DN sabe que essa estimativa já subiu para 300 mil. Além disso, o número de cidadãos portugueses não registados assume uma proporção cada vez maior nesta contabilidade invisível. A maior parte dos portugueses que escolhe a Inglaterra para viver vai, em regra, directamente para o Norte do país. Uma região favorável para arranjar emprego, na agricultura ou numa das muitas indústrias alimentares, mas também uma região muito distante da representação diplomática portuguesa.

Em declarações ao DN, o cônsul-geral de Londres, João Bernardo Weinstein, confirmou estas informações e explicou o perfil do novo emigrante em Inglaterra: «São normalmente pessoas muito jovens, entre os 20 e os 30 anos, na sua maioria sem grande formação escolar e que vieram directamente de Portugal - Norte, Centro ou Madeira -, mas também das nossas comunidades na África do Sul, Índia e Macau.»

O facto de grande parte das pessoas optar por não se registar no Consulado é, para este diplomata, um dos maiores problemas. «Além de não podermos adequar os meios à realidade, não temos conhecimento dos problemas que atravessam», concluiu Weinstein. À margem dos problemas específicos que vivem nas comunidades de proveniência - como o caso da violência na África do Sul -, a maior parte dos emigrantes justifica a sua decisão com a falta de emprego em Portugal. O resto da história já é bem conhecido por esta comunidade: longas horas de trabalho, ordenados muito abaixo das expectativas e condições de vida muitas vezes sem qualquer nível de dignidade.

VISITA. Esta tarde, quando descerrar a lápide do novo edifício do Consulado em Londres, marcando a sua inauguração oficial, o secretário de Estado das Comunidades, José Cesário, estará consciente desta realidade. No entanto, o governante preferirá certamente aproveitar a ocasião para enaltecer o facto de o Consulado ter finalmente mudado de instalações, depois de anos dentro de um apartamento pequeno e decadente, que ficará na memória da comunidade pelos tristes incidentes do ano passado, quando um grupo de imigrantes se revoltou pelas longas horas de espera.

O incrível crescimento da comunidade, ainda assim, associado à não menos incrível falta de meios do Consulado - apenas cinco trabalhadores no quadro e 12 funcionários com contratos a prazo prestes a terminar -, levanta grandes expectativas sobre o que poderá Cesário fazer para facilitar a vida aos quase mil clientes semanais dos serviços.

Fontes diplomáticas contactadas pelo DN mostraram-se descrentes nesta possibilidade. A ser assim, é fácil antecipar o que acontecerá no Verão, quando o fluxo de imigrantes deverá voltar a duplicar.

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17.6.04

Funcionários do MNE sem Segurança Social

Funcionários do MNE Não Estão Inscritos na Segurança Social
Por HELENA PEREIRA
PÚBLICO - Terça-feira, 15 de Junho de 2004

Mais de 100 funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) não estão inscritos em nenhum regime de segurança social. A denúncia parte do Sindicato dos Trabalhadores Consulares e das Missões Diplomáticas (STCMD). Contactado pelo PÚBLICO, o gabinete de informação do Ministério esclarece que este problema "depende da compatibilização de vários ordenamentos jurídicos e está em vias de solução, nomeadamente no que se refere ao Brasil".

Segundo o dirigente sindical Alexandre Vieira, cerca de 80 trabalhadores dos centros culturais do Instituto Camões por todo o mundo trabalham, há vários anos, sem estar abrangidos por um sistema de segurança social, estando actualmente a ser discutido o seu estatuto. Na embaixada de Nova Deli e no consulado de Goa, existem cerca de 40 funcionários nessas condições, assim como na embaixada em Seul, onde decorre uma greve há duas semanas. Nos vários consulados no Brasil, esta situação também se repete, havendo casos de pessoas que não podem reformar-se porque não têm quaisquer descontos para o sistema de segurança social local. Alexandre Vieira diz que "há pessoas com mais de 80 anos ainda a trabalhar" e que "a dívida ao fundo de garantia brasileiro é de quatro milhões de euros".

"Não dá para ficar à espera de mais promessas. O MNE terá, como é óbvio, que colmatar este erro e pagar quantias elevadas à segurança social local ou pagar um seguro privado que cubra as situações de doença e de reforma", acrescentou. O regime de segurança social da maior parte dos trabalhadores consulares é diferente do regime dos funcionários públicos em território português porque, nomeadamente, reformam-se com o salário por inteiro.

Sindicato denuncia "sangria de quadros"
A propósito do Dia de Portugal e das Comunidades, 10 de Junho, o sindicato emitiu um comunicado em que chama a atenção para os problemas mais graves dos trabalhadores consulares. "Contrariamente ao que transparece dos discursos oficiais, as condições de trabalho nos consulados e os serviços ali prestados estão a degradar-se progressivamente e, se nada for feito, irão piorar, com cada vez mais graves prejuízos para as comunidades que servimos", alerta.

Segundo o sindicato, desde 2000 que muitos dos salários não são actualizados, há mais de quatro anos que não tem havido concursos, vários trabalhadores "continuam a trabalhar para o Estado português sem estarem inscritos em nenhum regime de segurança social, à revelia do estipulado na Constituição Portuguesa".

A acrescentar a isto, assiste-se a uma "sangria de quadros", por aposentação de muitos funcionários, enquanto não se procede à sua substituição. O comunicado sublinha que, hoje, a exigência em "polivalência de funções" exige a elevação de critérios de recrutamento e experiência profissional, uma vez que os serviços consulares viram as suas competências alargadas, ao nível de registo civil, notariado, emissão de bilhetes de identidade. O exemplo "mais flagrante" de carência de pessoal, prossegue, verifica-se no cargo de vice-cônsules, uma vez que apenas 53 por cento das vagas estão preenchidas.

O STCMD diz que o MNE está a colmatar a falta de trabalhadores com "adidos mais caros ou estagiários gratuitos". Segundo Alexandre Vieira, estão a ser contratados trabalhadores por períodos de meses para "funções de trabalho contínuo" e são oferecidos estágios não remunerados a jovens, que "não são estágios", pois acabam por fazer o mesmo que os outros funcionários. Esta solução, acrescenta, levanta alguns problemas, como o da confidencialidade dos documentos que existem nos consulados e embaixadas, uma vez que os estagiários são escolhidos, "localmente e sem critérios definidos".

A este propósito, o MNE esclarece que não é assim, pois "a realização de estágios segue regras próprias que foram estabelecidas num documento interno elaborado para o efeito". No documento, relativo aos deveres do estagiário, "é referida a obrigação do estagiário em 'abster-se de aceder ou divulgar qualquer informação de natureza classificada' bem como a observar as regras de 'sigilo em termos idênticos ao dos funcionários e agentes da Administração Pública'", refere o gabinete de imprensa.